Há um ano, com 34, Messi cumpria uma temporada discreta pelo Paris Saint-Germain. Para um jogador com esta idade, sinais como os que ele emitia em campo pareciam indicadores de uma inevitável curva descendente. Não há, afinal de contas, como combater os efeitos implacáveis da passagem do tempo.
Mas esta talvez seja uma verdade para 99% dos humanos. Porque há seres especiais, gênios capazes de desafiar até o mais duro dos adversários. Messi está neste grupo. O que realiza nos últimos meses é como desafiar a passagem do tempo, é brutal sua capacidade de exibir com uma frequência assustadora cenas que remetem às suas melhores versões. Claro que Messi não terá mais seus 25 ou 26 anos, não repetirá jogo após jogo as melhores atuações de sua vida, de seu auge físico. Mas a capacidade de ser influente, de conduzir uma seleção numa Copa do Mundo dificílima, de resgatá-la nos momentos de maior dificuldade, é coisa acessível a poucos.
Este é um Mundial em que as distâncias entre melhores e piores são menores do que nunca, em que os espaços são pequenos. E Messi tem 35 anos, entrava em campo pela milésima vez na carreira, e aqui a palavra “milésima” não é figura de linguagem. Ainda assim, a autoridade com que conduziu os destinos da partida foi absoluta, ainda que a Argentina tenha precisado recorrer a intervenções de Lisandro e Emiliano Martínez no fim.
Foi um daqueles jogos típicos desta Copa, em que mesmo os times menos dotados se recusam a aceitar a derrota. Mas, antes de a Austrália colocar os corações argentinos à prova, o jogo foi um exercício de controle, mas de pouca capacidade de produzir chances por parte da equipe de Messi. A Austrália fazia um competente bloqueio defensivo, reduzindo espaços pelo centro do campo. Sem homens de drible, de velocidade pelas pontas, a Argentina não encontrava caminhos. Não fazia seu melhor jogo em termos criativos. Os australianos tampouco marcavam perto de seu gol, posicionavam sua defesa por vezes a 30 ou 40 metros da linha de fundo, diante de uma Argentina sem tantos jogadores que façam corridas em profundidade. Era um jogo duro.
Para piorar, o time de Scaloni não pressionava bem, o que produzia dois efeitos. A Austrália, um time organizado demais para disfarçar suas limitações técnicas, ficava com a bola por mais tempo do que se previa. Para piorar, a Argentina não conseguia recuperações no campo ofensivo, o que a obrigava a atacar sempre a defesa australiana já posicionada, com menos espaços.
Tudo isso durou até Messi abrir o cadeado com uma taca de sinuca, que encontrou o canto direito após fazer a bola passar por algumas pernas australianas. Após um primeiro tempo com só duas finalizações, Scaloni mudou a Argentina para uma linha de cinco defensores, o que permitiu aos alas se posicionarem mais à frente e melhorou a pressão. Combinada com um erro do goleiro Ryan, a estratégia resultou no gol de Julián Álvarez.
No mais, o jogo girou em torno de Messi. Ele driblava, chutava, passava, oferecia seguidas chances a companheiros. A cada lance, a arquibancada reagia com gestos de reverência. O jogo parecia controlado quando um gol reacendeu temores. Mas a Argentina irá reencontrar a Holanda na sexta-feira.
Messi fez o gol no momento mais tenso da Argentina na Copa, contra o México. Dias depois, teve boa atuação mas perdeu um pênalti contra a Polônia. Agora foi o dono do jogo que levou o time às quartas-de-final. A Argentina tem recursos, tem talentos e mais organização do que nos últimos anos. Mas, por melhores que sejam as equipes, é natural que talentos como Messi sejam as figuras mais influentes, mais decisivas.
Talvez não caiba perguntar o que seria da Argentina sem Messi, mas notar que a seleção conseguiu, enfim, criar um contexto para que ele faça o que parece se encaminhar para ser sua melhor Copa. Messi é o melhor argumento para incluir a Argentina no grupo dos favoritos.
A Holanda de Van Gaal
Louis Van Gaal é um símbolo da escola holandesa, associada ao futebol expansivo, aos jogadores que desequilibram pelos lados do campo, ao controle dos espaços e da bola. Mas esta é a segunda Copa em que Van Gaal mostra que, aos 71 anos, é acima de tudo um homem flexível.
A Holanda não se incomodou em deixar a bola com o time dos Estados Unidos. Mas ainda assim controlou o que se passava no campo. Seus dois atacantes pressionavam de forma a induzir que os americanos iniciassem as jogadas com passes pelo centro do campo, onde os três meias holandeses marcavam quase individualmente Tyler Adams, Weston McKennie e Yunus Musah.
Com bola, a Holanda atraía a pressão dos Estados Unidos para o seu campo, contando com a exibição de personalidade de Frenkie de Jong, seja na escolha dos passes ou na condução da bola bem perto do próprio gol. A partir daí, criava o contexto ideal para atacar os espaços, graças à ótima atuação de Memphis Depay e os ataques de Dumfries pela direita. O primeiro gol é uma construção brilhante.
Já houve versões mais brilhantes da Holanda. Esta, é organizada e capaz de se adaptar. O Argentina x Holanda de sexta-feira será um grande duelo.