TERÇA-FEIRA, 8 DE NOVEMBRO DE 2022 ÀS 10:38:15
Aluno arrastado por bolsonaristas dentro de ônibus fala sobre medo de voltar às aulas: 'Temendo pela vida'

Pedro Henrique Silva de Lima foi arrastado por bolsonaristas em ônibus em Jundiaí — Foto: Arquivo pessoal

Pedro Henrique Silva de Lima foi arrastado por bolsonaristas em ônibus em Jundiaí — Foto: Arquivo pessoal

 

episódio de violência e ameaça contra estudantes dentro de um ônibus na última quinta-feira (3), em Jundiaí (SP), ainda preocupa quem tem que passar, diariamente, em frente aos bolsonaristas que permanecem concentrados em frente ao 12º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC) da cidade.

Depois da sexta-feira (4) com aulas presenciais suspensas e uma manifestação realizada na Prefeitura de Jundiaí para pedir ações de segurança, o medo é um relato comum para o aluno Pedro Henrique Silva de Lima.

"A gente pediu ao prefeito para, de alguma forma, tirar aqueles manifestantes dali. Porque, como a gente pode ver, eles dizem que estão protestando pacificamente, mas é necessária apenas uma pessoa contrária para eles partirem para a violência. Então ninguém está seguro", afirma o aluno.

Pedro estava dentro do ônibus quando bolsonaristas jogaram um pedra na janela e invadiram o veículo. Um colega de Pedro, Vitor Cotrim, foi atingido pelos estilhaços de vidro e ficou ferido.

Já outro agressor, que já foi identificado e está sendo investigado pela Delegacia de Investigações Gerais (DIG), tentou arrastar Pedro para fora do ônibus durante a confusão.

"No momento em que eles adentraram o ônibus, eu estava quieto, e o cara veio me puxar. Naquele momento, eu imaginei tudo de pior possível. Pensei que fosse morrer. Só na hora que eu vi que estava todo mundo ali [grupo de amigos] do meu lado que me deu uma tranquilizada", conta o estudante, de 18 anos.

 

Vitor Cotrim foi atingido por estilhaços de vidro após pedra jogada por bolsonaristas — Foto: Arquivo pessoal

Vitor Cotrim foi atingido por estilhaços de vidro após pedra jogada por bolsonaristas — Foto: Arquivo pessoal

 

Ele conta que o homem só desistiu de puxá-lo para fora pois uma mulher, que aparentava ser parente do agressor, pediu um "basta" e para que ele soltasse Pedro.

 

"Me senti muito desprotegido e tive um baita sentimento de indignação. Na minha cabeça só se passava: 'eles vão me tirar desse ônibus, vão me bater, talvez me bater num ponto de eu morrer e a polícia só ia ficar ali olhando'", explica.

 

Pedro ainda conta que se surpreendeu com a dimensão que o caso tomou depois que os vídeos viralizaram por todo o país.

"Queríamos mostrar o nosso repúdio àquela manifestação. Eles estavam tirando o nosso direito de estudar. Da mesma forma que eles têm direito de protestar, a gente também tinha o direito de mostrar a nossa opinião. Ainda mais porque fazemos parte do grupo afetado por eles", opina o estudante.

A ETEVAV ficou dois dias sem aulas presenciais: na terça-feira (1º) e na sexta-feira (4). Com a ajuda de advogadas voluntárias, Pedro e Vitor - o garoto que foi ferido por estilhaços provocados pela pedra no vidro - abriram um boletim de ocorrência contra os agressores.

 

Confusão

 

Pedro relata que a confusão teve início quando o veículo do transporte público linha 430 ETEVAV passou em frente ao 12º GAC, onde bolsonaristas protestavam contra o resultado das urnas. Entre os passageiros estavam alunos da escola técnica.

Ao passarem ao lado da concentração dos manifestantes bolsonaristas, próximo ao trecho do km 53 da Rodovia Anhanguera - que faz parte do itinerário dos estudantes que saem da escola ETEVAV até o centro de Jundiaí - os estudantes gritaram palavras contrárias ao governo do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

"A gente resolveu protestar a favor do futuro presidente Lula e contra o atual regente Bolsonaro. Então começamos a fazer o 'L', a gritar a favor de Lula. No começo, eles só trocaram farpas com a gente mesmo, tipo xingando e tal. Então foi aquela troca. Aí, quando a gente estava quase saindo do local, eles atacaram", explica o jovem.

Ao ouvirem o coro dos estudantes no ônibus, os bolsonaristas correram e passaram a cercar o veículo. Um deles (de moletom escuro e calça clara) se aproximou e jogou uma pedra no vidro, que estilhaçou e atingiu o supercílio de Vitor (assista acima).

Pedro diz que, até jogarem a pedra no ônibus, considera que "xingar daqui e xingar de lá" era normal e aceitável diante da divergência de opiniões.

 

"Não houve violência nenhuma da nossa parte. Era para ser uma questão de disputa democrática. Mas foram palavras contra agressões e violência. Não dá."

 

Conselho Tutelar da cidade emitiu uma nota oficial com um posicionamento sobre o ataque, dizendo que teve acesso aos vídeos que circularam nas redes sociais com "enorme indignação".

"Atitudes covardes como estas não poderiam passar desapercebidas, sem reação à altura por parte de uma sociedade tida como pacífica e democrática, ainda que se tratasse de forças equânimes, muito mais quando percebemos que se tratam de adultos absolutamente descontrolados agredindo adolescentes."

 

Imagens mostram ataque de bolsonaristas a ônibus com estudantes em Jundiaí — Foto: Arquivo pessoal

Imagens mostram ataque de bolsonaristas a ônibus com estudantes em Jundiaí — Foto: Arquivo pessoal

 

Motivação

 

Pedro conta que, desde quinta-feira, tem ouvido de advogados e outras pessoas orientações para não se expor e não colocar a vida em risco.

"Meu pai também veio falar comigo sobre essa questão. Mas uma das coisas que eu acredito é que, se você tem fé, uma crença em algo, você tem que seguir. Então, eu estou com medo, mas é esse medo que está me motivando a ir cada vez mais longe e a lutar pelas pessoas que estão ao meu redor. Quero mobilizar cada vez mais gente para tornar Jundiaí e o nosso país um lugar melhor."

"Uma coisa que eu tenho ouvido muito é que a gente está fazendo mudança, que a gente está marcando a história. Então, primeiramente a gente pede respeito e que as pessoas deem lugar para a gente soltar a nossa voz, exprimir o que a gente é e lutar pelos nossos direitos, sem que a gente seja censurado ou agredido. Tudo de maneira pacífica e correta. De preferência com policiamento, com proteção e segurança", completa Pedro.

Um dos pedidos feitos pelo grupo de estudantes foi que fosse feita a retirada dos bolsonaristas de frente do quartel. Pedro e um grupo de alunos da ETEVAV acreditam que, enquanto o local estiver ocupado pelos bolsonaristas, eles ainda correm risco.

Após o ato realizado na tarde desta sexta-feira (4) na sede administrativa do município, a Prefeitura de Jundiaí emitiu uma nota oficial sobre os "recentes episódios que restringiram o direito de ir e vir, com obstrução de vias".

Eles afirmam que "repudiam qualquer tipo de violência" e que estão atuando "sempre com respeito às atribuições e aos deveres da esfera municipal, em cumprimento à legalidade".

A Prefeitura de Jundiaí diz que a concessionária de transporte público prestou as informações ao plantão policial e disponibilizou as imagens das câmeras do ônibus para a autoridade policial.

Por fim, a nota comunica que "a Guarda Municipal de Jundiaí reforçou o patrulhamento comunitário e as rondas escolares para assegurar a integridade dos estudantes e da população em geral, de forma que a harmonia social seja preservada".

 

Na luta com os alunos

 

Um professor de filosofia, sociologia e história - que preferiu não ser identificado - esteve com os alunos da instituição na manifestação realizada na Prefeitura de Jundiaí na sexta-feira.

"Eles são uma ameaça. Nós pedimos a retirada dos manifestantes ilegais e antidemocráticos porque é a justamente a rota de caminho da escola para quem vem a pé, para quem vem de ônibus, quem vem de automóvel, e há ali uma ameaça explícita. Uma ameaça, inclusive, que está registrada em vídeos."

 

"É urgente e inegociável. A única solução que entendemos como imediata é a retirada dessas pessoas que têm nos ameaçado como monopólio da força, da violência e do ódio contra pessoas que estão indo estudar e trabalhar.”

 

Diante do ocorrido, o professor crê que exista falha na responsabilização das autoridades: "Se existisse, de fato, vontade política, esse movimento [dos bolsonaristas] já teria sido inviabilizado e dispersado".

"A gente sabe do bom relacionamento do prefeito com o governador, nada impediria uma conjunção das forças de segurança para, efetivamente, retirar esses manifestantes. Todos precisam entender que o processo eleitoral está definido e que as pessoas precisam voltar a viver", completa o professor.

 

Próximos passos

 

Nos próximos dias, alunos, professores, pais e advogados pretendem acionar o Ministério Público para que acompanhe o caso e possa atender às solicitações do grupo.

Enquanto isso, a DIG já começou a ouvir os envolvidos na confusão. Dois estudantes prestaram depoimento e quatro suspeitos da agressão foram identificados na sexta-feira; três deles já foram ouvidos e dois indiciados.

Eles devem responder pelos crimes de constrangimento, associação criminosa, violência política, dano ao patrimônio público, arremesso de projétil e lesão corporal. Eles ainda respondem em liberdade, mas a pena pode chegar a 20 anos de prisão.

Outros suspeitos, estudantes e o motorista do ônibus serão ouvidos nos próximos dias.


Fonte: G1