
Biden fala sobre sua proposta orçamentária em sindicato na Filadélfia, Pensilvânia Saul Loeb/AFP
A Casa Branca anunciou na manhã desta quinta-feira que solicitará ao Congresso de seu país a aprovação de US$ 500 milhões (R$ 2,54 bilhões) durante cinco anos para o Fundo Amazônia e atividades relacionadas "no contexto do compromisso renovado do Brasil de pôr fim ao desmatamento até 2030". O anúncio vem dias após declarações controversas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a guerra da Ucrânia, que geraram críticas em Washington.
O anúncio será formalizado nas próximas horas durante o Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima, evento virtual que deve reunir as 26 lideranças das maiores economias do mundo — além do presidente Joe Biden, é esperado que Lula faça um pronunciamento virtual. A conferência marcará ainda o anúncio de US$ 1 bilhão para o Fundo Verde para o Clima da ONU, iniciativa para ajudar os países pobres na luta contra a crise climática.A proposta de Biden para o Brasil não deve ser das mais fáceis de pôr em prática: a oposição republicana controla a Câmara e historicamente se opõem à assistência financeira para países mais pobres se adaptarem e mitigarem os impactos do ja os 37 ministros do governo Lula aquecimento global. Mesmo quando os democratas controlavam ambas Casas do Legislativo, durante os dois primeiros anos da gestão atual, a Casa Branca enfrentou dificuldades para avançar suas iniciativas ambientais.
No ano passado, por exemplo, o Congresso americano aprovou ao todo US$ 1 bilhão em ajuda climática internacional — a promessa de Biden era de US$ 14 bilhões anuais. Caso o presidente consiga o sinal verde dos parlamentares, os EUA serão os segundo maiores contribuintes da iniciativa, atrás apenas da Noruega, que doou US$ 1,2 bilhão (R$ 3,1 bilhões, corrigidos segundo a inflação) desde que o projeto foi lançado em 2008, durante o primeiro mandato de Lula.
Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Fundo almeja captar doações para ações de preservação, monitoramento e combate ao devastamento, além da conservação e do desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal. Ele funciona com pagamentos baseados em resultados de conservação — ou seja, são feitas doações se os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detecta queda no desmatamento.
Além dos noruegueses, os alemães doaram US$ 68,14 milhões (R$ 192,69 milhões) e em janeiro anunciaram a liberação de mais 35 milhões de euros (R$ 194,82 milhões). A Petrobras também injetou cerca de US$ 7,7 milhões (R$ 17,3 milhões) entre 2011 e 2018. Ao todo, em sua primeira década, o Fundo recebeu R$ 3,396 bilhões em doações, financiando 102 projetos a um custo de R$ 1,8 bilhão.
A iniciativa foi congelada em abril de 2019 devido a problemas na gestão de Jair Bolsonaro e do Ministério do Meio Ambiente sob o comando do hoje deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), que extinguiu seus comitês gestores sem consultar os países financiadores. À decisão somaram-se as políticas ambientais catastróficas da antiga gestão.
No ano fiscal de 2022, segundo o preciso sistema Prodes do Inpe, foram desmatados 11.568 km², ou quase dez municípios do Rio. Foi a segunda pior marca do governo Bolsonaro que, segundo cálculos da coalizão de ONGs Observatório do Clima, fechou o ano com um aumento de 59,5% da taxa de desmatamento na Amazônia em relação aos quatro anos anteriores.
Alemanha e Noruega anunciaram o retorno do Fundo Amazônia ainda nas primeiras semanas após a vitória de Lula. A chanceler francesa, Catherine Colonna, anunciou que seu país e a União Europeia estudam se juntar ao fundo, e Londres também deu indícios neste sentido. Durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, a ministra do Meio Ambiente e do Clima, Marina Silva, sinalizou que a Fundação Bezos e a Fundação Leonardo DiCaprio também poderiam fazer aportes.
A doação que Biden pretende fazer ao Fundo é 10 vezes os US$ 50 milhões que chegaram a ser especulados em fevereiro, quando Lula foi a Washington e a pauta ambiental foi um dos temas discutidos. Desde então, o enviado especial da Casa Branca para o clima, John Kerry, veio ao Brasil, e ambos os lados vêm fazendo contatos frequentes sobre o assunto.
A primeira grande aparição de Lula depois de sua eleição foi uma viagem ao balneário egípcio de Sharm el-Sheikh para a COP27, a conferência climática da ONU, onde sublinhou em um concorrido discurso que o tema ambiental e a preservação seriam assuntos prioritários para o seu governo. O petista na ocasião prometeu "não medir esforços" para "zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas" até o fim desta década.
O desmantelamento do MMA e das ferramentas de fiscalização, contudo, tem dificultado os trabalhos para interromper o crime ambiental na região amazônica — cenário que especialistas classificaram ao GLOBO como uma "herança maldita" deixada pelo governo anterior. Os fatores levaram os alertas de desmatamento na Amazônia chegarem a 844 km², segunda pior marca histórica para um primeiro trimestre. No cerrado, a taxa de 1.375 km² foi recorde.
Após atritos
O anúncio americano é uma bandeira branca após os atritos desta semana devido às declarações controversas de Lula em sua visita à China e a breve escala nos Emirados Árabes Unidos na sua volta ao Brasil. Na manhã de sábado (noite de sexta no Brasil), em Pequim, o presidente disse que EUA e União Europeia deveriam começar a "falar de paz" e que os americanos precisam parar "de incentivar a guerra".
No domingo, já em Abu Dhabi, Lula afirmou que Europa e Estados Unidos contribuem para o prolongamento do conflito. Na segunda, o presidente recebeu o chanceler russo, Sergei Lavrov, para uma visita em Brasília — a primeira parada de uma viagem pela América Latina, com o fim de cultivar apoio russo.
Em resposta, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, John Kirby, afirmou na segunda "o Brasil está repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos". Na terça, a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, disse que Lula estava "completamente errado". As conversas entre os dois países, contudo, não cessaram, e no mesmo dia o assessor especial de Lula, o ex-chanceler Celso Amorim, conversou com o conselheiro de Segurança Nacional de Biden, John Kerry.
A contribuição ambiental também é um aceno em particular para o Brasil após a passagem de Lula pela China, onde foi bem recebido com pompa pelo presidente Xi Jinping e firmou 15 acordos, bagagem bem mais volumosa que a acumulada durante sua passagem por Washington em fevereiro.
Fonte: O Globo