Ao menos 24 estudantes morreram em um atentado suicida nesta sexta-feira em um centro de ensino de Cabul, em um bairro de forte presença da minoria hazara, cenário de alguns dos ataques mais violentos no Afeganistão nos últimos anos. As vítimas, que faziam simulados para uma prova de vestibular, tinham entre 15 e 25 anos e eram majoritariamente mulheres em um país onde o acesso feminino à educação é motivo de controvérsia.
A explosão ocorreu no bairro de Dasht-e-Barchi, no oeste da capital afegã, uma área predominantemente xiita, corrente do Islã cujos adeptos costumam ser alvo do Estado Islâmico, liderado por sunitas. À AFP, a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão informou que ao menos 24 pessoas e 36 morreram.
— Os alunos estavam se preparando para um exame quando um homem-bomba atingiu a escola — disse o porta-voz da polícia de Cabul, Khalid Zadran.
Vídeos postados nas redes sociais e fotografias divulgadas pela mídia local mostram vítimas ensanguentadas sendo retiradas do local e, segundo jornalistas da AFP, o maior número das vítimas levadas aos hospitais eram mulheres. Até o momento, nenhum grupo reivindicou a autoria do ataque.
— Poucos homens foram atingidos porque estavam na parte de trás da sala, e o homem-bomba entrou pela porta da frente, onde as mulheres estavam sentadas — disse à agência um aluno, Ali Irfani.
A educação é uma questão muito sensível no Afeganistão. O grupo fundamentalista Talibã, atualmente no comando do país da Ásia Central, não permite a abertura de escolas secundárias para meninas, mas as autoriza a frequentar centros educacionais privados. O Estado Islâmico, organização jihadista com forte presença em solo afegão, se opõe a qualquer treinamento para meninas e mulheres.
O porta-voz do Ministério do Interior, Nafy Takor, tuitou que o incidente ocorreu no centro educacional Kaj, onde havia entre 300 e 400 estudantes. Segundo ele, "atacar alvos civis mostra a crueldade desumana do inimigo e a falta de padrões morais" .Tom similar foi adotado pelo porta-voz do governo, Zabihullah Mujahid, que descreveu o ataque como um "ato bárbaro" e prometeu "ações duras contra os responsáveis".
O Talibã não deixou as famílias das vítimas esperarem em ao menos um hospital, temendo novos ataques. Foram coladas listas com nomes de pessoas internadas na entrada dos centro médicos.
Desafios de segurança
O episódio destaca os sérios desafios de segurança no Afeganistão, que tem uma das situações socioeconômicas mais graves do planeta — já ruim, o cenário piorou após os 20 anos de invasão americana chegarem ao fim em agosto do ano passado. Antes mesmo da caótica retirada dos soldados da Otan, a aliança militar encabeçada por Washington, o Talibã já havia voltado ao poder.
Os xiitas hazaras sofreram décadas de perseguição, também do Talibã, acusado de atrocidades contra esse grupo étnico durante a primeira vez em que o grupo esteve no poder (1996-2001). Agora, contudo, se veem também na mira do Estado Islâmico, inimigo dos talibãs.
Mesquitas, escolas e locais de trabalho são alvos relativamente comuns de ataques, com o EI assumindo a responsabilidade por 13 atentados contra a minoria haraza no último ano, matando e ferindo pelo menos 700 pessoas, segundo a Human Rights Watch.
"As autoridades do Talibã têm feito pouco para proteger essas comunidades de ataques suicidas, outros atentados ilegais e para fornecer cuidado médico e assistência adicional para as vítimas e suas famílias", disse em nota a organização.
No Oeste de Cabul, Dasht-e-Barchi é historicamente palco de inúmeros ataques — muitos contra crianças, mulheres e escolas. Em abril, duas explosões em colégios da região mataram seis pessoas e feriram 20. No ano passado, antes do retorno do Talibã, pelo menos 85 pessoas foram mortas, a maioria estudantes mulheres, e cerca de 300 ficaram feridas por três bombas que explodiram perto de outra escola.
No ano passado, o EI reivindicou a autoria de um ataque suicida em um centro educacional na área, que matou 24 pessoas. Em maio de 2020, o grupo se responsabilizou por um ataque à maternidade de um hospital do bairro, que matou 25 pessoas, incluindo mães que tinham acabado de dar à luz.
Fonte: O Globo