
O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) acatou a denúncia do Ministério Público contra um juiz de Direito de Araçatuba, que passa a ser réu em processo por lesão corporal grave, crime punido com pena que varia de 1 a 5 anos de detenção.
O inquérito criminal a partir de boletim de ocorrência da Delegacia Seccional de Araçatuba tramitou em paralelo com um processo disciplinar, que resultou em sanção de censura. Por o investigado ser um representante do Judiciário, o processo criminal também tramitou na Corte Superior do TJ-SP.
A denúncia foi oferecida pelo Procurador Geral de Justiça, Mario Luiz Sarrubbo, e o relator do processo votou pelo não recebimento, mas foi voto vencido. Cabe recurso da decisão ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Conforme apurado pelo Hojemais Araçatuba , o caso aconteceu na residência do casal, em um condomínio da cidade, em 14 de dezembro de 2021. Após 16 anos de casamento, as partes vinham se desentendo e um dia antes a vítima havia decidido se separar e deixar a casa com o filho do casal.
Naquela tarde eles voltaram a se desentender e a discussão verbal, segundo a vítima, avançou para a agressão física. A mulher acusa o juiz de ter torcido a mão dela, apertando os braços e a chacoalhado.
Empurrão
Ele ainda a teria atingido com um golpe na altura do peito e um forte empurrão, que a fez cair e bater as costas numa bancada de madeira e em seguida bater a cabeça no chão. Devido às dores que sentia, a vítima não teria conseguido se levantar e passou a gritar e pedir por socorro, mas não teria recebido ajuda do marido.
Segundo a denúncia, foi uma vizinha que ouviu os gritos e foi até à casa da vítima, que conseguiu engatinhar até à porta. Ao encontrar a mulher no chão e ferida, ela acionou o socorro feito por uma ambulância.
Para o procurador geral de Justiça, o crime foi cometido por razões de condição do sexo feminino, pois envolveu violência doméstica e familiar. A denúncia por lesão corporal grave teria sido configurada pelos laudos, e que ocasionaram a incapacidade da vítima para as suas ocupações habituais por mais de 30 dias.
Legítima defesa
Ainda de acordo com o que foi apurado, o juiz argumentou em juízo que agiu em legítima defesa, pois enquanto conversavam, a mulher teria partido para cima dele já com as mãos levantadas.
De acordo com ele, ela segurou os braços dele e o empurrou com força, fazendo com que caísse da cadeira. Enquanto estava no chão, a mulher teria passado a desferir socos contra ele, que por medo de agravar um problema que tem no braço esquerdo, a empurrou com o pé, que usou como apoio.
Ainda segundo o juiz, com o apoio ela acabou se desequilibrando e caindo, vindo a bater a cabeça na mesa do escritório. O agora réu disse que de imediato se levantou e ofereceu ajuda à esposa, mas ela teria recusado e passado a gritar por socorro.
Ainda segundo o juiz, foi ele quem abriu a porta e se deparou com a vizinha no quintal de casa, a qual ofereceu ajuda à esposa dele.
Relator rejeitou a denúncia, mas foi voto vencido
O desembargador James Siano, relator do processo sobre a acusação de possível agressão de um juiz de Araçatuba contra a esposa dele, ocorrida em dezembro de 2021, votou pela rejeição da denúncia por lesão corporal grave, mas foi voto vencido. Ele argumentou que os depoimentos das partes são antagônicos, não há testemunha e que as declarações da suposta vítima não sustentariam a instauração da ação penal.
O magistrado citou que em depoimento, a própria mulher relatou que ao ser insultada pelo marido ela partiu para enfrentá-lo com tapas e foi segura pelos braços. “É possível que assim tenha agido o marido para conter o ímpeto dela de agredi-lo fisicamente, em consonância ao sustentado em suas declarações, mesmo porque o empurrão, do qual decorreu a lesão, foi aplicado para afastá-la e não para machucá-la, ou seja, sem intenção de lesionar, como consta no depoimento de ambos, ponto a ser destacado mais à frente”, descreveu.
O desembargador acrescentou que investigado e vítima negaram a intenção de lesionar um ao outro, tendo o juiz apenas tentado se defender.
Por fim, também entendeu não haver possibilidade de se falar em crime de omissão de socorro, já que o juiz abriu a porta da casa para que a vizinha chamasse pelo socorro. “Ademais, o atendimento médico foi prestado de forma regular e eficaz, sem que sua eventual conduta omissiva tenha ocasionado sequelas físicas à esposa”, finaliza o voto.
Divergiu
Ao contrário do relator, o desembargador Costabile e Solimene votou pelo recebimento da denúncia, mas deixou claro que a divergência não equivale dizer que o suposto agressor deverá ser responsabilizado.
“Não. Apenas estamos convencidos de que dispomos do suficiente para instauração da respectiva ação penal. Evidentemente, será preciso examinar as provas dos autos e com a cautela de sempre, mas isso há de ser feito no momento legalmente apropriado, relevante relembrar que este contexto sequer está fechado, consoante assim dispõem os artigos 231 e 402 do Código de Processo Penal. Importa também dizer, eventualmente mais provas poderão ser coligidas até o final da instrução”, justificou.
Censura
O desembargador argumentou ainda que seria incongruente arquivar a investigação criminal, quando o processo administrativo no mesmo Órgão Especial, referente aos mesmos fatos, por maioria de votos, resultou na imposição de censura ao juiz investigado.
O julgamento teve a participação dos desembargadores Ricardo Anafe (presidente sem voto); Guilherme G. Strenger (vencedor); James Siano (vencido); Costabile e Solimene, Luciana Bresciani, Elcio Trujillo, Luisfernando Nishi, Décio Notarangeli, Jarbas Gomes, Marcia Dalladéa Barone, Tasso Duarte de Melo, Silvia Rocha, Figueiredo Gonçalves, Fernando Torres Garcia, Xavier de Aquino, Damião Cogan, Ferreira Rodrigues, Evaristo dos Santos, Vico Mañas, Francisco Casconi, Ademir Benedito, Campos Mello, Vianna Cotrim, Matheus Fontes e Aroldo Viotti.
Manifestações
O Hojemais Araçatuba encaminhou e-mail à assessoria de imprensa do TJ-SP se colocando à disposição para se manifestar pelo caso em nome do juiz e do próprio tribunal, e foi informado que os magistrados são impedidos pela Loman de quaisquer comentários sobre questões judicializadas:
"Art. 36 - É vedado ao magistrado: (Vide ADPF 774)III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério". A reportagem não conseguiu o contato da defesa do juiz.
Também foi feito contato com o advogado Jair Moura, do escritório de advocacia Moura Brazil, de Araçatuba, que atua como assistente de acusação. A resposta foi que ele não irá se manifestar sobre processo em andamento.
Fonte: Hojemais