
A Justiça Federal de Araçatuba (SP) condenou os primeiros seis réus acusados de participar de suposta organização criminosa especializada em fraudar o auxílio emergencial do governo federal. Eles são investigados no âmbito da Operação Vida Fácil , que teve a primeira fase deflagrada em 24 de novembro de 2021, pela Polícia Federal de Araçatuba.
Na ocasião foram expedidos 54 mandados de busca e apreensão e 17 mandados de prisão preventiva pela 2ª Vara da Justiça Federal de Araçatuba, para serem cumpridos em Araçatuba, Birigui, Bauru, Marília, São José do Rio Preto, Anápolis (GO) e Maringá (PR).
Os primeiros condenados integrariam o grupo principal da suposta organização criminosa. Entre eles estão Bruno Mariano Baggio, 28 anos, e Wesley dos Santos Carvalho, 39, moradores em Birigui, enquanto Adolfo Henrique França, 29, é de Araçatuba. Ele foi o que recebeu a menor pena, que é de 20 anos, 9 meses e 25 dias de prisão.
Os outros condenados são Flávio Adauto Portela de Barros, 39, também conhecido como Marrom e morador em Lençóis Paulista; Jonathan Aparecido de Oliveira e Bruno Aparecido de Oliveira, residentes em Maringá (PR).
Para os cinco réus a pena é de 21 anos e 4 meses de prisão em regime inicial fechado. Todos foram condenados por organização criminosa e sete vezes por furto e a sentença prevê ainda o pagamento de cinco salários mínimos vigentes à época.
A defesa de cinco dos seis réus, que é feita pela equipe do advogado Milton Walcinir de Lima, já adiantou que vai recorrer. O réu Bruno Mariano Baggio tem a defesa feita pelo advogado Elber Carvalho de Souza, que também deve recorrer.
Denúncia
Segundo a denúncia, os réus faziam parte de uma organização criminosa especializada na prática de fraudes para recebimento de benefícios sociais, em especial Auxílio Emergencial. Entre 28 de maio de 2020 e setembro de 2021, pelo menos 22 pessoas, com auxílio de outras dez, teriam se associado para realizar furtos mediante fraude eletrônica em série, dos recursos financeiros do auxílio emergencial prestado pelo governo federal.
A investigação apontou que eles se organizaram em três grupos, sendo o principal composto pelos investigados que participariam ativamente das fraudes, cooptando mais participantes e obtendo os programas e as informações necessárias para os furtos mediante fraude. Os seis condenados fariam parte deste grupo, junto com um sétimo integrante.
O segundo grupo seria o de Assessoria Colaborativa, composto pelos denunciados que, associados aos primeiros de modo permanente e estrutural, teriam participação mais operacional nas atividades da organização.
Além de emprestarem contas em instituições financeiras para movimentação de recursos extraídos de contas fraudadas, guardariam valores em espécie, promoveriam saques em caixas eletrônicos, auxiliando na ocultação dos valores com a aquisição de veículos e imóveis.
Por fim, haveria o Grupo de Assessoria Simples , composto por investigados que apenas emprestariam contas em instituições financeiras ou seus nomes para registro de bens, viabilizando a movimentação de valores furtados pelo grupo.
Fraude
Para realizar os furtos, de acordo com a denúncia, o grupo fazia o cadastramento do pedido do auxílio emergencial em nome das vítimas, que não tinham conhecimento. Quando o pagamento era liberado pelo governo federal, os valores eram retidos pelo aplicativo CAIXA TEM, por meio da opção de pagamento de boleto bancário.
Para cometer a fraude, bastava a quadrilha ter acesso aos dados cadastrais da vítima e realizar, com antecedência, o seu cadastramento no aplicativo de celular “Caixa Auxílio Emergencial”. Os valores eram depositados na conta poupança digital gerada em nome da vítima e eram movimentados pela organização pelo aplicativo CAIXA TEM.
“A denúncia ainda descreveu a ocorrência de variadas transações bancárias entre os denunciados, bem assim as movimentações de recursos financeiros entre eles, sempre — segundo o “parquet” — em montantes incompatíveis com os perfis dos envolvidos, demonstrando, a um só tempo, os indícios de materialidade e de autoria dos delitos narrados”, consta na decisão.
Análise
Ao receber a denúncia em 13 de dezembro de 2021, a Justiça Federal rejeitou as acusações contra quatro mulheres investigadas e o processo foi desmembrado com relação aos réus julgados e condenados agora.
As defesas dos réus requereram a liberdade provisória deles e, apesar de o MPF (Ministério Público Federal) ter requerido a manutenção da custódia, foi concedida a liberdade provisória, com fixação de medidas cautelares.
A Justiça Federal de Araçatuba concordou com os pedidos do MPF para juntar aos autos do relatório policial, da denúncia e de eventual sentença proferida em processo semelhante que tramita na 2ª Vara Federal de Bauru.
Consta na decisão que a defesa de Flavio Adauto Portela de Barros pediu a absolvição em relação ao furto mediante fraude e organização criminosa e a desclassificação do crime de furto qualificado para o crime de furto simples, sob argumento de que o delito imputado teria sido praticado na vigência da lei antiga.
A defesa de Bruno Mariano Baggio também requereu a absolvição por negativa de autoria, enquanto a defesa de Bruno Aparecido de Oliveira, Adolfo Henrique França, Jonathan Aparecido de Oliveira e Weslley dos Santos Carvalho, representou pela nulidade do processo e a rejeição da denúncia.
No mérito, pediu a absolvição em relação ao crime de organização criminosa ou a desclassificação para a forma simples do concurso de agentes ou, ainda, para associação criminosa. Quanto ao furto, pediu a absolvição de todos ou para o crime de estelionato.
Outros Crimes
Consta na sentença que a delegada federal Daniela Ferreira Mauro Braga, responsável pela investigação, deixou claro que ficou provado que a investigação em Bauru é sobre fatos diversos, tendo início com uma prisão em flagrante em Lençóis Paulista.
No caso de Araçatuba, o inquérito foi instaurado a partir de comunicação do Banco Nacional de Fraudes ao Auxílio Emergencial e informação dada por colaborador anônimo. No caso de Bauru, os crimes teriam ocorrido entre meados de julho e agosto de 2020, enquanto em Araçatuba teriam sido praticados entre 28 de maio de 2020 e setembro de 2021.
“Posteriormente, com a instrução processual, outras provas foram produzidas para reforçar a alegação do MPF e da Polícia Federal de que a reiteração da prática criminosa não foi cessada pelos acusados após a prisão em flagrante de alguns deles em 14/08/2020, ou seja, os fatos aqui imputados aos acusados são também posteriores ao evento criminoso investigado e processado nos autos em trâmite perante 2ª Vara Federal de Bauru”, cita a sentença.
Patrimônio Incompatível
A denúncia cita ainda que mesmo sem indicação de renda ou ocupação lícita, os acusados adquiriram patrimônio incompatível, que era ostentado nas redes sociais e na vida pública.
“Por mais que os réus tenham procurado, em seus interrogatórios, justificar as suas atividades, o conjunto probatório carreado aos autos revelou que eles se uniram para realizar, de forma reiterada, diversas condutas criminosas, desviando recursos públicos que deveriam ter sido destinados às pessoas que estavam passando necessidades em razão da pandemia da covid-19”, consta na decisão.
O juiz cita ainda que em interrogatórios os réus reforçaram a existência de uma organização criminosa voltada para saques indevidos no auxílio emergencial, pois praticamente relataram, em detalhes, como era feita a conduta criminosa de fraude aos cofres públicos da CEF.
“O fato é que, após análise criteriosa deste Juízo das provas obtidas na fase de investigação e durante toda a fase do devido processo penal, chega-se à conclusão de que os acusados continuaram na sua empreitada criminosa mesmo após agosto de 2020 (época da prisão em flagrante em Lençóis Paulista/SP – fato em apuração na Justiça Federal de Bauru/SP)”.
Agravante
O magistrado acrescenta que esse tipo de organização criminosa demonstra que seus integrantes têm uma personalidade voltada para o crime. E cita que os crimes ocorreram sob circunstâncias deploráveis, coincidindo com o período de calamidade pública decorrente da pandemia, desviando recursos financeiros voltados para o atendimento de pessoas em necessidades extremadas, o que foi levado em conta na dosimetria da pena.
Por fim, consta que apesar dos indícios de que Jonathan seria o líder da organização criminosa, não há provas concretas e mais contundentes disso. Por isso, sendo comprovada a materialidade delitiva a autoria foi atribuída a todos os acusados. Consta na sentença que a participação das demais pessoas que teriam colaborado com os crimes será objeto de análise em outros autos.
Investigados foram presos pela Polícia Federal durante a Operação Vida Fácil (Foto: Lázaro Jr./Arquivo)
Fonte: HojeMais