
Vídeos mostram festa em SP onde mulheres dizem terem sido 'cobaias' em curso de conquista de 'coaches' estrangeiros em SP — Foto: Reprodução
O pai de uma jovem de 17 anos reconheceu como sendo a filha dele em imagens feitas em uma festa realizada em São Paulo por coaches estrangeiros de um curso sobre como conquistar mulheres. A garota confirmou à família ter conhecido pela internet Mike Pickupalpha, um dos mentores, saído com ele e viajado para outro estado.
A presença dela na festa foi mostrada pelo Fantástico e o pai conversou com o g1. O homem, que não terá a identidade revelada para que seja preservada a menor de idade, disse que falou com ela após ver vídeos e fotos com o grupo.
Segundo ele, a filha detalhou que teria contado à mãe sobre Mike. Os dois foram a restaurantes, parques ou "só ficavam em casa", pontuou ela ao pai.
Ela teria dito ao coach que tinha 21 anos e revelado a verdadeira idade durante uma viagem a Florianópolis, em Santa Catarina. Os dois discutiram e Mike pesquisou se havia cometido crime e depois "deu tudo certo", afirmou a garota ao pai.
Sobre a festa, a jovem contou que "não queria que fosse gravada e não queria tirar fotos". Os dois aparecem em um vídeo comendo comida japonesa postado no perfil excluído do curso e abraçados na praia.
A família irá registrar um boletim de ocorrência nesta segunda-feira.
Conteúdo excluído
A Polícia Civil de São Paulo investiga o recrutamento de brasileiras para uma festa na capital paulista que funcionou como "aula prática", segundo os relatos de quatro mulheres.
No site Millionaire Social Circle ("Círculo Social de Milionários") todos os textos e fotos relacionados com as viagens por países como Costa Rica, Colômbia, Filipinas foram tirados entre sexta e sábado.
A conta do TikTok do "MSC" foi deixada privada, no canal do YouTube tinha apenas o vídeo de uma partida de vídeo game e o perfil do curso no Instagram não estava disponível. O perfil na mesma rede social de Mike Pickupalpha, com 5.961 seguidores, tornou-se privado. Ele e David Bond promoveram o evento.
Anúncio no site dos coaches antes de ser apagado — Foto: Reprodução
O que você precisa saber sobre o caso:
- Dois coaches dos Estados Unidos venderam cursos de US$ 12 mil a US$ 50 mil.
- "Alunos" estrangeiros aprendiam, com técnicas deles, a se relacionar com mulheres.
- As mulheres ouvidas pelo g1 não sabiam que eram parte da aula prática do curso.
- Grupos de alunos viajavam para países como Costa Rica, Colômbia, Filipinas e Brasil, em fevereiro. Os participantes da edição brasileira se encontraram com mulheres por meio de apps e outras foram chamadas por redes sociais.
- Coaches fizeram uma festa na Zona Sul de São Paulo com comida, bebida à vontade e transporte; o caso repercutiu depois que algumas mulheres descobriram que homens faziam curso.
- Ao menos duas delas denunciaram o caso para a polícia e alegam que foram filmadas sem autorização; material colhido por eles é usado em grupos e para publicidade.
- A próxima etapa do curso deve ocorrer na Tailândia.
Inquérito policial
Ao menos duas mulheres registraram na Polícia Civil de São Paulo que conheceram "alunos" dos coaches pela internet, foram a um jantar em grupo e dias depois estiveram numa festa em uma mansão no Morumbi, na Zona Sul. Nas duas situações foram feitos vídeos usados em peças publicitárias em curso sobre como conquistar mulheres, segundo elas.
As duas jovens e outras duas ouvidas pelo g1 afirmam que não sabiam que o grupo estrangeiro participava de um curso (veja abaixo os relatos).
O evento ocorreu no final de fevereiro e foi promovido por Mike Pickupalpha e David Bond. O inquérito foi instaurado e o caso é investigado como favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual e agenciar, aliciar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher exploração sexual pelo 34º DP, Vila Sônia, Zona Sul de São Paulo responsável pela área.
"A equipe de investigação da unidade realiza diligências para identificar e quer ouvir formalmente os organizadores e esclarecer todas as circunstâncias do fato", diz nota.
O Ministério Público acompanha as investigações da polícia. Segundo o promotor Rogério Sanches Cunha, o crime de exploração sexual foi alterado em 2009 e não pune apenas quem explora a prostituição. A lei também prevê punição para quem coloca pessoas na condição de objeto sexual, mesmo que elas não tenham recebido dinheiro algum, nem tenham se relacionado sexualmente com os alunos.
"É exatamente que aconteceu nesse exemplo. Mulheres que imaginaram estar indo numa festa, na verdade aquilo era uma fraude. Elas estavam servindo pra que homens pudessem treinar como conquistá-las. Elas estavam como objetos sexuais, de acordo com as informações que chegaram para nós. A informação é que elas se sentiram usadas. Usadas sexualmente", disse.
A Embratur afirmou, por meio de nota, que acionou a Polícia Federal para pedir investigação. .
Mike já apareceu em canais no Youtube filmando mulheres com câmeras escondidas em diversos países. Já David Bond chama-se, na verdade, Steven Mapel – ele diz ser um especialista em namoro on-line e produtor de conteúdo digital.
Em entrevista na noite de terça-feira (14), Mike foi perguntado mais de uma vez pelo g1 se as convidadas sabiam que seriam usadas como cobaias de um curso de conquista. Ele não respondeu diretamente. Em vez disso, apontou que se tratava de um evento em que havia adultos "que escolheram estar lá por livre e espontânea vontade".
O curso
Site dos coaches que venderam curso para homens — Foto: Reprodução
O curso, oferecido a estrangeiros de vários países, cobrava a partir de US$ 12 mil (cerca de R$ 63 mil) em troca de consultoria de conquista e viagem de duas semanas para algum país. Além do Brasil, houve edições na Costa Rica (em fevereiro de 2022), Colômbia (julho de 2022) e Filipinas (agosto de 2022). A próxima etapa será na Tailândia, em agosto.
O pacote com seis países, chamado de World Tour, sai por US$ 50 mil (cerca de R$ 262,7 mil), segundo o site do grupo.
“Venha explorar com David e Mike e conheça as mulheres brasileiras ao redor do mundo que são conhecidas por serem divertidas, curvilíneas e apaixonadas”, disse o anúncio da viagem ao Brasil.
Em um vídeo, a dupla exibe o kit a ser levado na bagagem: pílulas do dia seguinte, usadas para evitar gravidez em relações sexuais sem preservativo, camisinhas e perfumes com feromônios -- que supostamente secretariam substâncias para chamar atenção das mulheres.
O Ministério do Turismo disse, em nota, que a prática é considerada crime e deve ser denunciada às autoridades competentes (delegacias, Ministério dos Direitos Humanos e conselhos tutelares se crianças).
"O Ministério do Turismo repudia a prática e incentiva trabalhadores do setor de turismo a denunciarem atitudes suspeitas relacionadas à exploração sexual de crianças e adolescentes por meio do projeto Código de Conduta", diz nota (leia nota completa abaixo)
O que dizem as mulheres
Festa realizada em mansão de São Paulo — Foto: Arquivo
A mulher que registrou o boletim de ocorrência disse ter visto vídeos publicados em que ela aparece com os alunos da "mentoria" de conquista. Foi o que a fez querer denunciar. Ela disse ter conhecido um rapaz no Tinder e sido convidada a jantar com "amigos" dele.
“Saímos algumas vezes até ele me convidar para o jantar, que me disse que seria com amigos deles. Foi normal [o jantar] e conversamos sobre assuntos tranquilos, até porque eu queria praticar o inglês. Ficavam filmando o tempo todo e eu tentava me esquivar porque não gosto que me filmem”, lembra.
No dia seguinte, a brasileira foi convidada pelo homem para a festa na mansão.
“Na festa tinha muitas mulheres e nem todas sabiam falar inglês. Havia funcionários, DJ, garçons. Uma das mulheres me disse que foi [à festa] por causa de um anúncio e aí achei estranho, porque ela disse que pagaram o transporte também. Eu achei que era algo mais reservado."
A outra mulher que foi à festa na mansão também conheceu pelo Tinder o homem que a chamou. Ela disse que deu "match" com um americano e foi convidada para jantar. O rapaz disse que fazia parte de um grupo de negócios e a convidou para um primeiro encontro. Lá, afirmou, havia outras mulheres que estavam com os "amigos" dele. Ela não sabia, mas eram outros alunos do curso.
“Conheci outras meninas brasileiras lá e até gostei, porque eu não sei muito bem inglês. Era um restaurante muito chique, até exagerado. O rapaz que eu saí me tratou muito normal, bem de início, criando um vínculo. Tinha gente de vários países. Não me senti desconfortável naquele momento.”
Coaches dizem estar orgulhosos do grupo que esteve no Brasil — Foto: Reprodução
O encontro foi antes da festa. Dias depois, ela recebeu um convite para colocar dados pessoais e fazer parte da lista do evento.
“Não fiquei até o fim da festa. Interagi mais com a meninas que conheci no jantar, mas conheci uma menor de idade que disse que conhecia pessoas na organização. Disse que logo faria 18 anos, mas estava numa festa de comida e bebidas à vontade. Não vi ela ficando com ninguém, mas disse que se sentiu incomodada ao ter visto um casal fazendo sexo em um dos quartos.”
O que dizem os citados
Vídeo feito antes da viagem ao Brasil — Foto: Reprodução
Mike Pickupalpha, do site Millionaire Social Circle, falou com o g1 na noite de terça-feira (14). Perguntado por mais de uma vez se informava as mulheres de que a festa era aula prática do curso de conquista, não respondeu.
“Foi uma festa coorganizada com meus amigos brasileiros. Alguns trouxeram suas próprias namoradas. Uma festa com adultos que escolheram estar lá por livre e espontânea vontade. Comida, segurança e transporte adequado foram fornecidos.”
Perguntado sobre menores de idade no evento, o coach não negou, mas disse possivelmente haver câmeras de segurança no local. “No formulário de candidatura dissemos que era preciso ter mais de 18 anos e pedimos à segurança para fiscalizar e fiscalizar todos.”
'Fraude está no uso dissimulado e mentiroso'
A advogada e desembargadora aposentada do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Cecilia Mello, analisou o site e o “modus operandi”. Cecília afirma que o Tinder é “um aplicativo de encontros voluntários” e a vontade de cada um é o que deve prevalecer.
“A fraude está no uso dissimulado e mentiroso do aplicativo para aquilo que não será um encontro voluntário, mas sim ‘um treinamento’ de relacionamento para homens endinheirados num projeto de afirmação de suas virilidades, incapazes de gerir as suas próprias vidas afetivas e amorosas, mas plenamente capazes de optarem pela prática de crimes voltados à exploração sexual de mulheres em território brasileiro.”
“Tudo isso dentro de um suposto treinamento que visa resultados numéricos, instantâneos e de convencimento da mulher para o sexo no primeiro encontro, com ‘domínio da arte de abordagem’ em qualquer local”, completa.
A especialista explica que ao forjar se tratar de um encontro voluntário, praticar exploração sexual e oferecer vantagens os casos podem ser caracterizados com crimes previstos nos artigos 149-A e 228 do Código Penal.
“O primeiro de tráfico de pessoas por ‘agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso’ para o fim, dentre outros, de exploração sexual. A pena é de reclusão de quatro a oito anos e pode ser aumentada de um terço até a metade se a vítima for retirada do território nacional”.
O segundo de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual “imputável ao próprio agressor, ao aliciador, ao intermediário que se beneficia comercialmente do abuso. A pena é de dois a cinco anos e multa”, detalha.
Nota da Embratur
"Embratur se solidariza com as mulheres vítimas de exploração sexual em São Paulo, no caso ocorrido no final de fevereiro envolvendo um grupo de turistas estrangeiros. Esta agência já acionou a Polícia Federal com a finalidade de solicitar a investigação do caso e, na próxima segunda-feira (20), o presidente Marcelo Freixo se reunirá com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, para entregar ofício pelo qual formaliza este pedido.
Não são bem-vindas em nosso país pessoas que desejam praticar crimes. O turismo para fins de exploração sexual fere nossas leis e quem o pratica será submetido à devida investigação, julgamento e punição.
Há décadas, o Brasil executa políticas intersetoriais para combater o turismo para fins de exploração sexual, com ações internas de assistência social, prevenção com educação e investigação criminal; e externas, na reconstrução da imagem do país no exterior e promoção de um turismo responsável. Infelizmente, essa trajetória foi interrompida pelo governo passado, cujo então presidente deu infelizes declarações que estimularam a prática desses crimes.
Turismo gera emprego, desenvolvimento e é essencial para a imagem do país no exterior. Em nossa gestão, recuperamos como valores centrais da Embratur o respeito aos direitos humanos e à democracia. Promovemos no exterior um Brasil que queremos ser, da sustentabilidade, que combate a pobreza e o racismo e valoriza a diversidade de seu povo. São muito bem-vindos os turistas estrangeiros que querem contribuir para a construção desse Brasil."
Nota Ministério do Turismo
"O termo "turismo sexual" não existe porque não é um segmento turístico. A prática é considerada crime e deve ser denunciada junto às autoridades competentes (delegacias, Ministério dos Direitos Humanos e conselhos tutelares se crianças). O Ministério do Turismo repudia a prática e incentiva trabalhadores do setor de turismo a denunciarem atitudes suspeitas relacionadas à exploração sexual de crianças e adolescentes por meio do projeto Código de Conduta.
Durante o Carnaval deste ano, inclusive, a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, visitou tradicionais destinos da festividade para reforçar a importância do carnaval seguro, responsável e consciente e apoiou a ação “bloco do disque 100”, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que incentivou denúncias sobre violações de direitos humanos.
Por fim, cabe registrar ainda que, na última semana, o Governo Federal lançou um pacote de ações que buscam garantir mais proteção à vida e à dignidade das mulheres, inclusive, voltadas à segurança."
Convite enviado para cadastro para a festa em São Paulo — Foto: Reprodução
Fonte: G1