
A Promotoria de Justiça de Araçatuba (SP) encaminhou à Câmara Municipal, pedido de informações sobre o cumprimento da decisão do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que declarou inconstitucional a leitura bíblica e o uso da frase “sob a proteção de Deus” no início das sessões do Legislativo Municipal.
A própria Câmara publicou no seu site, no dia 11 deste mês, que deixará de adotar o rito na abertura dos trabalhos legislativos, a partir do término do recesso parlamentar. A primeira sessão ordinária do segundo semestre está prevista apenas para 7 de agosto.
O pedido de informações foi encaminhado à Câmara pelo promotor de Justiça Joel Furlan, no último dia 11, por e-mail, após o Ministério Público ser acionado por meio da Ouvidoria, por denúncia de que essa decisão, que é de 24 de maio e transitou em julgado em 29 de junho, teria sido descumprida nas sessões ordinárias de 12 e 19 de junho.
Essa manifestação ao MP foi feita por Eduardo Banks dos Santos Pinheiro, que se apresentou ao órgão como o autor da "notícia de fato" que resultou na ADI (Ação de Inconstitucionalidade) que resultou na decisão do TJ-SP.
De acordo com ele, o Acórdão com resultado da votação unânime seguindo o voto do Desembargador Vianna Cotrim, foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 6 de junho, para "declarar a inconstitucionalidade da expressão 'o presidente, dizendo que 'sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos'”.
Descumprimento
Para o autor do pedido de investigação, o descumprimento da ordem teria ocorrido nas sessões ordinárias dos dias 12 e 19 de junho. Na primeira, a presidente da Câmara, Cristina Munhoz (UB), teria pedido ao vereador Arnaldinho (Cidadania) que fizesse a leitura do trecho da Bíblia, e na seguinte, a leitura teria sido feita pelo vereador Gilberto Mantovani (PL), o Batata.
Na manifestação apresentada ao Ministério Público, o autor pede que sejam tomadas providências com relação à presidência da Casa e aos dois vereadores, alegando que em tese, eles teriam violado o artigo 319 do Código Penal, cometendo o crime de prevaricação, por violar o “Superprincípio da Laicidade do Estado”.
Aguarda
A reportagem procurou a Promotoria de Justiça, que deu prazo de 15 dias para a Câmara se manifestar. Segundo o promotor de Justiça Joel Furlan, até esta quarta-feira (19) ele não havia recebido a resposta.
Furlan informou ainda que aguardará a resposta e o inteiro cumprimento da decisão para posteriormente, se for o caso, se manifestar. “ Neste momento, prefiro acreditar que a decisão será cumprida, até porque decisão judicial pode ser contestada, mas não descumprida. Há consequências”, explica.
Vai responder
O Hojemais Araçatuba também procurou o Departamento Jurídico da Câmara, que informou que ainda está no prazo para responder ao pedido de informações do MP.
Ainda de acordo com o Legislativo, não houve descumprimento do acórdão, já que ofício do TJ-SP, com o respectivo AR comunicando a decisão, foi entregue na Câmara somente no dia 6 de julho, ou seja, um mês após a publicação no Diário de Justiça Eletrônico.
Câmara não recorreu da decisão por haver jurisprudência no STF
Trecho considerado inconstitucional já foi grifado no Regimento Interno da Câmara (Imagem: Reprodução)
A decisão do TJ-SP com relação à inconstitucionalidade da leitura bíblica e do uso da frase “sob a proteção de Deus” no início das sessões da Câmara Municipal de Araçatuba transitou em julgado sem ser contestada pela Legislativo.
Segundo o Departamento Jurídico da Casa, no próprio texto do acórdão, que é a decisão, há citação do entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema e diversas outras ADI´s (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) com o mesmo entendimento, ou seja, considerando inconstitucional.
“Como o recurso seria destinado ao STF, a Procuradoria entendeu que se tratava de tese já superada pela Suprema Corte”, informou em nota ao Hojemais Araçatuba.
O trecho considerado inconstitucional pelo TJ-SP consta do § 1º do artigo 141 da Resolução 10, de 31 de outubro de 2022, do Regimento Interno da Câmara de Araçatuba, apontando violação aos artigos 5º e 19, incisos I e III, da Constituição Federal e do artigo 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
O Jurídico do Legislativo Municipal afirma que a decisão será cumprida e inclusive esse trecho já foi riscado no Regimento Interno disponibilizado no site da Câmara, indicando que ele foi declarado inconstitucional.
Precedentes
Na contestação durante a análise da ADI, a Câmara de Araçatuba argumentou que o rito de invocar a proteção de Deus, traduz representação do preâmbulo da Constituição Federal. Citou ainda haver diversos precedentes que declaram que a presença de símbolos religiosos em repartições públicas não ofende a laicidade do Estado.
“A Câmara Municipal detém autonomia administrativa para decidir quais símbolos ficarão dispostos em suas repartições, até porque inexiste proibição legal de exibição de representações religiosas nas dependências públicas, insistindo, ainda, que a leitura de trecho da Bíblia não viola o artigo 19, inciso I, da Constituição Federal na medida em que atende a interesses individuais culturalmente solidificados no País” , justificou.
Inconstitucional
No julgamento, o relator, desembargador Vianna Cotrim, considerou que a Constituição de 1988 reconheceu a pluralidade de crenças religiosas existentes no Brasil, bem como a importância da religião na vida dos cidadãos, mas “optou por proteger o Estado da influência sociopolítica e religiosa de igrejas, cultos e outros, posicionando-se de forma neutra, sem apoiar e tampouco discriminar qualquer credo, adotando a laicidade como princípio destinado a manter rigorosa separação e autonomia entre política e religião”.
Para ele, a Câmara de Araçatuba, por se tratar de ente público integrante de Estado laico, não pode manifestar filiação a determinada religião em detrimento das inúmeras outras existentes, sob pena de "tolher dos cidadãos o direito e a liberdade de escolher a orientação religiosa que melhor lhes aprouver ou mesmo de optar por se abster de professar qualquer tipo de crença”.
Fonte: HojeMais