DOMINGO, 12 DE MARÇO DE 2023 ÀS 12:26:07
Trabalhadores desmaiavam de fome e tinham desconto no salário, diz auditor

Marmita azeda, com formiga ou fria: acidente cortou dedos dos pés de adolescente que fazia teste em clube de futebol - Divulgação/MPT

Marmita azeda, com formiga ou fria: acidente cortou dedos dos pés de adolescente que fazia teste em clube de futebolImagem: Divulgação/MPT

 

Trabalhadores resgatados em duas fazendas de arroz no Rio Grande do Sul em condições análogas à escravidão costumavam desmaiar de fome e sede, afirmou ao UOL o auditor fiscal do trabalho Vítor Ferreira. Sem condições de terminar a jornada, eles perdiam parte do salário.

 

'É evidente que os desmaios aconteciam e que não era dado nenhum cuidado pelo explorador da mão de obra. Se ele [o trabalhador] não cumprir a jornada, seja por qualquer motivo, não recebe [a diária].'

Vítor Ferreira, auditor do trabalho

 

A Polícia Federal, o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) e o MPT (Ministério Público do Trabalho) iniciaram uma operação na última sexta-feira (11) em duas fazendas a cerca de 50 quilômetros da área urbana de Uruguaiana (RS).

Até o momento, foram resgatados 56 trabalhadores em condições degradantes, incluindo dez adolescentes. A operação segue em andamento em busca de outras pessoas que trabalharam no local.

Os investigadores querem saber se os donos da fazenda —- as estâncias Santa Adelaide e São Joaquim —- ou a empresa que comprou a produção de arroz eram os verdadeiros empregadores dos lavradores rurais.

Um "gato" —agenciador de trabalhadores— foi preso. Em depoimento à Polícia Federal, ele ficou calado. Seu nome não foi divulgado, assim como o dos donos das fazendas e da empresa.

O auditor Vítor Ferreira disse que, quando forem identificados, os verdadeiros empregadores serão punidos. Eles terão de arcar com dívidas e multas trabalhistas e administrativas e responder criminalmente.

Ferreira afirmou à reportagem que a situação era "muito grave", diferente do que auditores se habituaram a ver nesse tipo de fiscalização. Não havia água, banheiros ou mesmo um local para se proteger do sol quente num clima que, a esta época, chega a 40ºC em Uruguaiana.

O procurador do trabalho Hermano Domingues destacou que, nos depoimentos, os trabalhadores disseram que os gatos vendiam drogas aos menores. Os valores eram descontados dos salários.

 

O que mais os investigadores encontraram:

 

  • Sem local para guardar a comida, as mochilas com marmitas azedavam na roça. Os lavradores dividiam entre si o resto de alimentos que ainda não tinham estragado;
  • Formigas atacavam os alimentos dos trabalhadores enquanto eles estavam na roça;
  • Comida fria. Não havia onde aquecer os alimentos;
  • Agrotóxicos nas mãos de adolescentes. Eles retiravam uma praga da plantação, chamada de "arroz vermelho", manuseando agrotóxico;
  • Parte do grupo retirava a praga com facas de cozinha, em vez de foices;
  • Faltavam equipamentos de proteção, como botas, foices, chapéus, protetores solares;
  • As contratações eram feitas sem documentos e registro oficial;
  • Adolescentes trabalhavam enquanto fumavam maconha, fornecida pelos "gatos";
  • Não havia primeiros socorros e nem uma pessoa a quem recorrer em caso de acidentes de trabalho ou qualquer eventualidade em uma área rural grande e longe da cidade.

Fonte: UOL