Rastreamento. O Centro de Distribuição dos Correios, em Benfica: pacotes considerados suspeitos pela polícia são retirados dali e levados para a Receita Federal no Aeroporto Internacional do Rio Divulgação/Correios
Um coração de pelúcia com os dizeres “Te amo”, um livro, uma máquina de pagamento por cartão, um par de tênis. Itens comuns que passariam sem despertar atenção pela triagem de encomendas dos Correios viraram um meio para traficantes do Rio trazerem e enviarem drogas e dinheiro a outros estados. Uma operação conjunta da Receita Federal e da Polícia Civil fluminense encontrou, em duas semanas, mais de 50 quilos de entorpecentes escondidos em encomendas, avaliados em cerca de R$ 5,8 milhões. Ao menos 12 criminosos já foram identificados e estão sendo investigados. Os números não levam em consideração as ações deste ano, em que a quantidade de drogas ainda não foi contabilizada.
Entre 30 de novembro e 15 de dezembro, foram quatro ações de rastreamento de pacotes. As encomendas selecionadas como suspeitas são retiradas da Central de Distribuição dos Correios, em Benfica, na Zona Norte do Rio, e levadas para a base da Receita Federal no Aeroporto Internacional do Rio, na Ilha do Governador. A área no Galeão foi escolhida por ser um espaço com ambiente controlado, maior mobilização e estrutura de segurança.
— O trabalho é feito diariamente com o apoio da Polícia Civil. As ações contam com equipes para estabelecer critérios de análise e identificar remessas com indícios de drogas — explica o auditor fiscal Ewerson Augusto da Rocha Chada, chefe da Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho da Receita no Rio. — Contamos com o apoio de agentes da perícia da Polícia Civil que fazem inspeções individuais em produtos, além de toda a parte investigativa que faz o levantamento e o balanço com as informações de remetentes envolvidos nesses envios. Esse trabalho já levou à análise de aproximadamente 600 remessas, e a gente quantifica aproximadamente 98% de sucesso na interceptação dos produtos.
Até 15 de dezembro, foram apreendidos 50,7 quilos de entorpecentes como maconha, ecstasy, haxixe, metanfetamina, cocaína e crack, dando um prejuízo de aproximadamente R$ 3,5 milhões ao tráfico. A pesagem das drogas não considera os 180 selos da droga sintética NBOMe, comercializada no mercado ilegal a R$ 200 cada, ou os mais de 13 mil frascos de lança-perfume, vendidos a R$ 170 a unidade, o que eleva o valor total das apreensões para mais de R$ 5,8 milhões. Para além das operações com a Polícia Civil, em 2022 a Receita apreendeu mais de 168 quilos de drogas em encomendas internacionais nos aeroportos.
Cocaína é encontrada no interior de um coração de pelúcia — Foto: Divulgação/Receita Federal
O mapeamento dos remetentes das encomendas com drogas permitiu à Polícia Civil e à Receita identificarem pelo menos 12 traficantes cariocas.
— Um dos casos chamou a atenção dos agentes porque a mesma pessoa, além de enviar encomendas com drogas como cocaína, incluindo uma com três tabletes, quantidade considerada grande para essa modalidade de apreensão, enviou também pacotes com quantidades significativas de drogas sintéticas. Esse caso mostra que o mesmo traficante está enviando diferentes tipos de droga, ou seja, quem atua em uma área do tráfico também está comercializando nas demais — afirma Ewerson Chada.
As operações iniciadas em novembro foram possíveis devido a uma iniciativa que começou em julho, quando os Correios anunciaram que o envio de remessas em território nacional passaria a exigir o número do CPF a partir de 1º de setembro.
Segundo a Receita Federal, a partir dessa obrigatoriedade, iniciou-se uma investigação em todas as remessas postais do país. A apuração levou agentes a uma remessa de 1.200 comprimidos de ecstasy apreendida em Fortaleza, no Ceará.
Esconderijo. Um livro foi usado para enviar um carregamento de ecstasy — Foto: Divulgação/Receita Federal
As informações da apreensão foram cruzadas com as bases de dados da Receita e dos Correios, e agentes observaram que o mesmo remetente tinha enviado drogas para destinatários de outros estados, dentre eles o Rio. A partir daí, começou uma investigação da Receita para identificar padrões nas remessas suspeitas, muitas vezes com indícios fortes de tráfico, tendo em vista a abundância de material enviado numa mesma encomenda.
A tendência é que, com o trabalho dos agentes, o número de apreensões desse tipo caia. Anteriormente, antes de o tráfico migrar para as encomendas dos Correios, a Receita Federal apurava e apreendia drogas em casos semelhantes com encomendas enviadas por transportadoras no país. Durante todo o ano de 2022, esse tipo de esquema resultou na apreensão de apenas 480 gramas de drogas, reflexo de que as ações forçaram uma mudança na operação dos criminosos — e também alteraram o foco das ações da Receita.
Agora, a expectativa dos agentes é que, nos primeiros meses de 2023, isso aconteça também nas remessas de entorpecentes enviadas pelos Correios, fechando o cerco e excluindo as possibilidades para pessoas que usam esse meio para o tráfico.
Tráfico ‘elitizado’
O delegado Marcus Vinicius Amim, titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), especializada da Polícia Civil que acompanha as ações da Receita nos Correios, afirma que, no Rio, a região que mais recebe drogas pelo sistema postal é a Zona Sul. Ainda de acordo com ele, o perfil de traficante que utiliza o método também chama a atenção: pessoas com conhecimento e especialização na confecção de drogas sintéticas em bairros das zonas Sul e Oeste, como Recreio e Barra da Tijuca.
— É um caso interessante, porque a gente pode observar que é uma modalidade de tráfico que nada tem a ver com o tráfico de drogas em comunidades. É um tráfico elitizado e que, muitas vezes, tem o envolvimento de pessoas com conhecimentos específicos em áreas como a engenharia química, para a produção da droga sintética. Não é o tráfico já conhecido feito em comunidades carentes, que se concentra majoritariamente em drogas como cocaína, maconha e crack — afirma Amim.
Em nota, os Correios informam que “trabalham em parceria com os órgãos de segurança pública e fiscalização para prevenir o tráfego de itens proibidos por meio do serviço postal”. A empresa também explica que seus empregados “atuam de forma diligente visando a identificar postagens em desacordo com a legislação”. E que, “quando constatada a presença de conteúdo suspeito em seu interior, o objeto é encaminhado à autoridade competente para avaliação especializada”. Ainda segundo os Correios, “muitas das operações de repressão a ilícitos começam por meio do processo de fiscalização não invasiva (raio X)”.
Fonte: O Globo