QUARTA-FEIRA, 15 DE MARÇO DE 2023 ÀS 07:57:50
Vereador gaúcho que atacou vítimas de trabalho escravo é indiciado por racismo

Vereador Sandro Luiz Fantinel faz pronunciamento na tribuna da Câmara de Caxias do Sul (RS) - Foto: Divulgação/Câmara de Caxias do Sul

Vereador Sandro Luiz Fantinel faz pronunciamento na tribuna da Câmara de Caxias do Sul (RS) — Foto: Divulgação/Câmara de Caxias do Sul

 

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul indiciou o vereador Sandro Luiz Fantinel (sem partido) por crime de racismo devido às falas preconceituosas, feitas em 28 fevereiro, durante sessão da Câmara Municipal de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, sobre trabalhadores baianos resgatados em situação de escravidão na vizinha Bento Gonçalves. 

Os cidadãos nordestinos trabalhavam em lavouras de uvas de algumas das maiores produtoras de vinhos e sucos de uva do país. Em um primeiro momento, as empresas não admitiram as irregularidades. Diante da péssima repercussão do caso, eles se manifestaram publicamente chegando a dizer que tudo era "indesculpável".

O inquérito foi remetido ao Ministério Público na segunda-feira (13). O crime de racismo prevê pena de dois a cinco anos em caso de condenação. A Polícia Civil não pediu a prisão preventiva do vereador, portanto, ele vai responder ao processo em liberdade.

“Foi feita análise de imagens e da voz, do que foi dito naquele dia, e com base em tudo aquilo que a gente cooptou na investigação do inquérito policial, a gente acabou por concluir que o fato, em tese, se caracteriza como crime de racismo, o artigo 20, parágrafo segundo, da Lei 7.716, justamente pelas falas que acabam discriminando as pessoas em razão da procedência regional, ou seja, do local do país de onde elas vêm. Com base nisso, a gente conclui o inquérito, entendendo que há indícios de autoria e materialidade, ou seja, o inquérito conclui com indiciamento”, afirmou o delegado Rafael Keller.

Além da análise das imagens, foram ouvidas duas testemunhas e o vereador. Na ocasião, Fantinel pediu desculpas pelo episódio e afirmou que o discurso foi feito de improviso.

Então filiado ao Patriota, o vereador Sandro Fantinel usou a tribuna da câmara municipal para atacar trabalhadores baianos resgatados de exploração análoga à escravidão em Bento Gonçalves.

“Agora o patrão vai ter que pagar empregada para fazer limpeza todos os dias para os bonitos? Temos que botar em hotel 5 estrelas para não ter problema com o Ministério do Trabalho?”, questionou Fantinel.

“Agricultores, produtores vou dar um conselho para vocês: não contratem mais aquela gente lá de cima”, emendou, referindo-se aos baianos e se colocando à disposição para ajudar a criar “uma linha” para a contratação de argentinos para o trabalho de colheita de uvas.

“Todos os produtores que têm argentinos trabalhando hoje só batem palmas. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantém a casa limpa e no dia de ir embora ainda agradecem o patrão. Agora com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que fosse ter esse tipo de problema”, completou o vereador.

Fiscais encontraram os trabalhadores citados mantidos em alojamento apertado e sem higiene, tratados sob ameaças e até agredidos com choques e spray de pimenta. O governo do Rio Grande apura o envolvimento de policiais militares nas ameaças e agressões ao grupo.

Os baianos haviam sido contratados por uma empresa terceirizada para trabalhar em grandes vinícolas da serra gaúcha – maior centro produtor de vinhos do Brasil –, onde já chegavam devendo ao patrão, por itens como o transporte e a comida para o traslado e a estadia.

 

Vereador não reconheceu erro e disse que falas xenófobas foram tiradas de contexto

 

Em entrevista à RBS TV, em 1º de março, Sandro Fantinel voltou a falar sobre o discurso. Ele disse que suas declarações contra os baianos não contêm crime algum e chegou a afirmar que a “questão da analogia à escravidão” flagrada em fazendas da serra gaúcha são golpes contra fazendeiros.

“A intenção da pauta na tribuna, ontem, era querer transmitir para os agricultores terem um certo cuidado. Porque existem alguns grupos que estão dando golpes usando a questão da analogia à escravidão. [...] Quando a gente está no calor da fala, [...] a gente diz palavras que não é o que a gente quer dizer, que não representa a gente”, afirmou.

Fantinel alegou que sua fala foi tirada de contexto, apesar de ela ter sido divulgada sem edição pela maioria dos veículos de comunicação.

“A única coisa que eu disse dos baianos é que eles gostam só de tocar tambor e ficar na praia né. Se a gente fosse ter essa conversa em um outro momento, a pessoa iria dizer: 'ah, é verdade. É a cultura deles, não tem nada de mal'. O problema é que entrou em um contexto que foi interpretado como forma de falar mal deles”, disse.

 

Cãmara abriu processo e cassação e PF investiga vereador por acusar ministro do STF de pedofilia

 

Em 2 de março, a Câmara Municipal de Caxias do Sul aprovou, por unanimidade (21 votos favoráveis e nenhum contrário), a abertura de processo de cassação do mandato de Sandro Fantinel.

Os vereadores acolheram quatro denúncias contra Fantinel por suposta quebra de decoro parlamentar por causa do discurso contra os baianos.

No mesmo dia, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, enviou à Polícia Federal o discurso do vereador Sandro Luiz Fantinel em que acusa um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de participar de uma orgia com crianças no exterior.

“Um ministro do Supremo Tribunal Federal participou de uma orgia com crianças fora do Brasil. Como um cara desse vai permitir que sejam criadas leis mais severas para quem comete esse crime aqui dentro? A vergonha começa lá em cima. A gente sempre tirou os exemplos de nossos pais quando éramos crianças e o povo tira o exemplo das autoridades. É triste o futuro que a gente vê”, afirmou o vereador.

Fantinel fez a declaração, sem prova alguma, ao microfone da tribuna da Câmara de Caxias do Sul, na sessão ordinária de 17 de novembro de 2022.

 

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Fonte: Folha de São Paulo